A conversa potente e inesperada entre o pandeiro de Sérgio Krakowsky, os violões (de sete e seis cordas) de Rogério Caetano e os quatro saxes de Alexandre Caldi sustentam “Placebo” (Warner), faixa-título do primeiro CD solo de João Cavalcanti — o lançamento é nesta quinta-feira, às 21h30m, no Studio RJ. A escolha de dar o nome da canção ao álbum aponta para algumas intenções possíveis: aproveitar o sentido da palavra “placebo”; a ousadia do arranjo como norte do CD; a subversão do samba como afirmação de uma quebra sobre o trabalho com o Casuarina. Pela explicação do artista, passa por tudo isso e vai além:

— Tem a ironia de ser o disco de estreia de um artista de um grupo de samba e o único samba dar nome a ele. E placebo, é bom notar, não é um remédio que não cura, e sim um não-remédio que cura. Todas as faixas me ajudam a desatar alguns nós emocionais, servem como uma autoterapia.

A ideia do disco como esse espaço de tratamento se espalha pelas letras e pelo projeto gráfico. A canção “Demônios” (“Não me reprima/ Eu mesmo mato os meus demônios”) abre o CD. A capa traz uma enfermeira na clássica pose pedindo silêncio, mas de forma enviesada — ela não é loura, não está impecavelmente penteada e, em vez de assepsia, sua imagem transmite sensualidade em seu sorriso e piscadela. No encarte, cria-se um ambiente hospitalar, manicomial, com pitadas de fantasia.

O curioso hospital de “Placebo” vem sendo erguido calmamente nos últimos três anos. O grande parceiro de João na empreitada foi Plínio Profeta, produtor do disco. Eles construíram juntos — e ao lado de um belo time de músicos, que inclui Marcelo Caldi, Nicolas Krassik, Pedro Miranda, Humberto Barros, Guizado, Davi Moraes — a sonoridade do CD que, segundo o compositor, “não tem nenhum compromisso com a homogeneidade, com a coesão”. Afinal, ele passa (sem muita fidelidade às cartilhas dos gêneros) por tango, samba-de-roda/baião, rock encharcado de peso e distorção, juju music, frevo (com a participação do Casuarina), ciranda, balada. E em cada faixa, uma formação, desde a grandiosidade do diálogo de quarteto de cordas, Fender Rhodes e programações (“Luna”) até a crueza de um voz-e-acordeom (“Em tempo”) ou a inclusão de singela flauta doce (“Criança”) — algo que diz muito da forma como o álbum foi concebido.

— Tratamos o disco canção a canção, vendo o que cabia em cada uma — conta João. — O papel dos músicos foi fundamental. Eles não só executaram, mas deram um tanto deles na construção dos arranjos.

Liberdade para fazer de tudo

A presença de versos como “Esse samba torto/ É só meu” ou “Não é modinha nem canção/ Não é antiga nem moderna” revelam princípios de João.

— Nunca fiquei confortável ao ser tratado como sambista. Porque sambista não é quem faz samba, sim quem abre mão de fazer todo o resto. E a única militância que tenho é ouvir de tudo e ter a liberdade de fazer de tudo — diz João, que em alguns momentos do álbum se aproxima de Lenine, seu pai e outro cultor da liberdade. — A única coisa que seria mais cretina comigo do que copiar meu pai seria refutar a referência dele sobre mim. É o artista que acompanho mais de perto e há mais tempo. Posso divergir, mas tudo o que ele faz eu ouço, percebo, me afeta.

Faixas:

1 Demônios
2 Placebo
3 Luna
4 Síndrome
5 Em Tempo
6 Criança
7 Você Alterego de Mim
8 Binário
9 Mulato
10 Inemurchecível
11 Frevo Do Contra-Êx

Cd João Cavalcanti - Placebo

R$39,90
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A conversa potente e inesperada entre o pandeiro de Sérgio Krakowsky, os violões (de sete e seis cordas) de Rogério Caetano e os quatro saxes de Alexandre Caldi sustentam “Placebo” (Warner), faixa-título do primeiro CD solo de João Cavalcanti — o lançamento é nesta quinta-feira, às 21h30m, no Studio RJ. A escolha de dar o nome da canção ao álbum aponta para algumas intenções possíveis: aproveitar o sentido da palavra “placebo”; a ousadia do arranjo como norte do CD; a subversão do samba como afirmação de uma quebra sobre o trabalho com o Casuarina. Pela explicação do artista, passa por tudo isso e vai além:

— Tem a ironia de ser o disco de estreia de um artista de um grupo de samba e o único samba dar nome a ele. E placebo, é bom notar, não é um remédio que não cura, e sim um não-remédio que cura. Todas as faixas me ajudam a desatar alguns nós emocionais, servem como uma autoterapia.

A ideia do disco como esse espaço de tratamento se espalha pelas letras e pelo projeto gráfico. A canção “Demônios” (“Não me reprima/ Eu mesmo mato os meus demônios”) abre o CD. A capa traz uma enfermeira na clássica pose pedindo silêncio, mas de forma enviesada — ela não é loura, não está impecavelmente penteada e, em vez de assepsia, sua imagem transmite sensualidade em seu sorriso e piscadela. No encarte, cria-se um ambiente hospitalar, manicomial, com pitadas de fantasia.

O curioso hospital de “Placebo” vem sendo erguido calmamente nos últimos três anos. O grande parceiro de João na empreitada foi Plínio Profeta, produtor do disco. Eles construíram juntos — e ao lado de um belo time de músicos, que inclui Marcelo Caldi, Nicolas Krassik, Pedro Miranda, Humberto Barros, Guizado, Davi Moraes — a sonoridade do CD que, segundo o compositor, “não tem nenhum compromisso com a homogeneidade, com a coesão”. Afinal, ele passa (sem muita fidelidade às cartilhas dos gêneros) por tango, samba-de-roda/baião, rock encharcado de peso e distorção, juju music, frevo (com a participação do Casuarina), ciranda, balada. E em cada faixa, uma formação, desde a grandiosidade do diálogo de quarteto de cordas, Fender Rhodes e programações (“Luna”) até a crueza de um voz-e-acordeom (“Em tempo”) ou a inclusão de singela flauta doce (“Criança”) — algo que diz muito da forma como o álbum foi concebido.

— Tratamos o disco canção a canção, vendo o que cabia em cada uma — conta João. — O papel dos músicos foi fundamental. Eles não só executaram, mas deram um tanto deles na construção dos arranjos.

Liberdade para fazer de tudo

A presença de versos como “Esse samba torto/ É só meu” ou “Não é modinha nem canção/ Não é antiga nem moderna” revelam princípios de João.

— Nunca fiquei confortável ao ser tratado como sambista. Porque sambista não é quem faz samba, sim quem abre mão de fazer todo o resto. E a única militância que tenho é ouvir de tudo e ter a liberdade de fazer de tudo — diz João, que em alguns momentos do álbum se aproxima de Lenine, seu pai e outro cultor da liberdade. — A única coisa que seria mais cretina comigo do que copiar meu pai seria refutar a referência dele sobre mim. É o artista que acompanho mais de perto e há mais tempo. Posso divergir, mas tudo o que ele faz eu ouço, percebo, me afeta.

Faixas:

1 Demônios
2 Placebo
3 Luna
4 Síndrome
5 Em Tempo
6 Criança
7 Você Alterego de Mim
8 Binário
9 Mulato
10 Inemurchecível
11 Frevo Do Contra-Êx